quinta-feira, 5 de maio de 2011

Podemos falar “se isso lhe APROUVER”?

Podemos falar “se isso lhe APROUVER”?


Mais uma vez, a indagação acima, diante do amplo universo verbal de nosso léxico, convida o leitor ao conhecimento de verbos pouco usuais: aprazer, desprazer e prazer.

Há detalhe intrigante: ouve-se por aí a forma “se isso lhe aprouver...”, entretanto poucos associariam o tempo em destaque ao verbo aprazer, que tem o sentido de “causar ou sentir prazer”. É mais usado nas terceiras pessoas (do singular e do plural). Portanto, pode-se usar apraz, aprazia, aprazerá, aprouve, aprouvera, aprouvesse.

A forma “aprouver” indica o futuro do subjuntivo do verbo aprazer, bastante comum como verbo transitivo indireto (“Todas as manhãs, o sol lhe apraz.”) ou intransitivo (“Poucos são os comentários que aprazem.”).

Para o dicionarista Houaiss, o verbo aprazer é irregular, nos tempos derivados do pretérito perfeito, apresentando formas interessantes, como aprouve, aprouvera, aprouvesse, entre outras.

Fernando Pessoa dele se valeu em emblemático trecho da poesia “Deixemos Lídia”:

“Não de outro modo mais divino ou menos / Deve aprazer-nos conduzir a vida, / Quer sob o ouro de Apolo / Ou a prata de Diana” .

Nessa esteira, Carlos Drummond de Andrade lançou-o em “Dissolução”:

“Escurece, e não me seduz / tatear sequer uma lâmpada / Pois que aprouve ao dia findar, aceito a noite...”.

A reboque da literatura de prol, seguiram os versos de Vinicius de Moraes, em “Para viver um grande Amor”:
“...É muito necessário ter em vista / um crédito de rosas na florista / muito mais, muito mais que na modista! / para aprazer ao grande amor...”

É relevante notar que aprazer pode servir como paradigma na conjugação de outros verbos, como:

(I) desprazer, no sentido de “desagradar”. Exemplos:
O contrato não lhe desprouve, mas agradou a ele.
É provável que isso despraza os contratantes.
O choro intenso lhe despraz.

(II) prazer, no sentido de “queira Deus, tomara, oxalá”. Exemplos:
Prouvera a Deus.
Se a Ele prouver, que praza a todos.

Como sinônimo de aprazer, o verbo prazer é igualmente irregular, devendo ser usado apenas na 3ª pessoa do singular. Há formas curiosas, como: praz, prazia, prouve, prouvera, prazerá, prazeria, praza, entre outras.

É fato que se trata de verbos pouco usuais, todavia podem ser utilizados no dia a dia do usuário do português de rigor. O importante é utilizar o verbo, conhecendo aquilo que se anuncia. Aliás, este rápido estudo permitirá a enunciação da forma “se isso lhe aprouver...”, com a dose exata de “autoridade” na fala, comum àqueles que falam sabendo o que dizem...

Prof. Eduardo Sabbag

“O Brasil Trigueiro dos Raios Fúlgidos”

“O Brasil Trigueiro dos Raios Fúlgidos”

A pergunta foi feita a Doutor Vernáculo por uma criança, ao término da cerimônia comemorativa de 7 de setembro. O desfile havia sido emblemático; as pessoas estavam eufóricas; os militares mostraram-se exemplares nos disciplinados movimentos e manobras; porém, algo perturbava a curiosa criança espectadora que, aproximando-se do mestre no palanque, fez uma interessante pergunta:

– Doutor Vernáculo, quando se canta o hino, o verso "Brasil, um sonho intenso" vem antes de "Deitado eternamente em berço esplêndido"?

Sua dúvida chamou à atenção o mestre. Na verdade, perguntou a jovem no lugar de todo o Brasil. Com efeito, temos um hino nacional de beleza singular e de melodia envolvente e de depuração linguística genuína. Talvez o fato de ser tão perfeito tenha provocado o provável esoterismo que o cerca – a criança tinha dúvida sobre a ordem dos versos na canção, mas quem de nós um dia não hesitou na pronunciação dos complicados termos do hino?

Os olhos da criança, mostrando-lhe a dúvida, retomaram lembranças marcantes. Em certa ocasião, Doutor Vernáculo havia perguntado, em sala de aula, repleta de profissionais da área jurídica:

– Qual o sujeito da oração, nos primeiros versos do hino nacional: “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas / De um povo heróico o brado retumbante”?
As respostas não demoraram, até porque todos os presentes eram graduados ou pós-graduados, sentindo-se na necessidade “cívica” – e por que não dizer “etária” – de responder ao teste com exatidão. Uns diziam “Ipiranga”; outros, “margens”; um grupo defendeu o “brado”; outro, o “povo”; houve até quem preferiu se calar, ao deparar com as multifacetadas possibilidades... Lamentavelmente, todos falharam.

A ocasião – cômica, se lamentável não fosse – havia demonstrado que aquela pergunta traduzia o desconhecimento do hino nacional pelo povo brasileiro. O primeiro verso do hino, assim como tantos outros que o seguem, vêm na ordem sintática invertida, devendo-se ler:
“As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heróico.”
Nessa medida, o sujeito já se apresenta claro: “As margens plácidas do Ipiranga”.
Esse momento, pinçado no dia a dia de uma sala de aula do mestre, passou-lhe pela mente como um raio, de modo instantâneo. Sorrindo para a jovem que o questionara, o mestre se agachou, estendendo-lhe a mão e disse:

– Querida jovem, vou lhe contar uma história.
A menina arregalou os olhos, demonstrando interesse.

– Nosso hino nacional é uma das poesias mais lindas que existem, você sabia?

A criança acenou afirmativamente, concordando com Doutor Vernáculo, que prosseguiu:

– Todos nós cantamos o hino com devoção e amor à pátria porque o hino e a bandeira
são símbolos importantes para uma nação.
Mais uma vez a criança concordou com o mestre, que usava uma linguagem simples para transmitir-lhe tema de intensa complexidade.

– Então, devemos conhecer bem nosso hino para perceber, ao longo dos versos, que "Brasil, um sonho intenso" vem antes de "Deitado eternamente em berço esplêndido". O primeiro enunciado aparece na 4ª estrofe, enquanto o segundo surge na 8ª estrofe.
A criança ouviu a resposta, apreciando o aprendizado e, ainda, perguntou ao mestre:

– Doutor Vernáculo, qual o sentido do verso “És belo, és forte, impávido colosso”?

– Minha jovem, o poema vem, sim, repleto de nomes difíceis, pouco conhecidos por nós. São adjetivos arcaicos, porém nomes que exteriorizam sentimentos mágicos de engrandecimento da pátria. É na utilização desse rico vocabulário – quase “semicompreensível” –, que está a elegância poética do nosso hino. Devemos ter curiosidade pela letra e descobrir os seus significados. Saiba que todos os cidadãos brasileiros deveriam agir como age agora, minha querida.
Enquanto a jovem sorria, o mestre prosseguiu:

– Portanto, o verso pode ser assim traduzido:
“És belo, és forte, destemido gigante”.
Trata-se de menção respeitosa a nosso país, que possui significativas extensões.
De fato, o autor Joaquim Osório Duque Estrada – poeta e crítico literário – valeu-se de sabedoria elogiável que, somada à sensibilidade artística do músico Francisco Manuel da Silva, permitiu a criação de hino “deliciosamente” erudito. A razão das aspas anteriores pôde ser percebida pelo mestre nos olhos da criança, ao descobrir o desafiador significado da expressão que a deslumbrava: “impávido colosso”. A mesma sensação de prazer teria a jovem ao descobrir que “margens plácidas” são margens serenas; que “raio vívido” é raio brilhante; que “terra mais garrida” é terra mais alegre, florida; ou, ainda, que “clava forte” é arma forte – expressões espalhadas pelo hino.

Os dois estavam bastante entretidos com o bate-papo. Parecia ao mestre que a jovem já havia estudado um pouco o tema – talvez na escola –, por acompanhar a explicação oferecida com certa desenvoltura. Isso pôde ser comprovado na pergunta seguinte feita ao mestre:

– Doutor Vernáculo, nunca entendi o verso “Fulguras, ó Brasil, florão da América”. O que significa?
A dúvida animou o desafiante, que respondeu com satisfação:

– Minha jovem, este verso é muito pouco conhecido, em razão de seu exótico significado. Veja: “fulguras” é verbo, na segunda pessoa do presente do indicativo de “fulgurar”, na acepção de brilhar ou cintilar; “florão”, por sua vez, significa enfeite, adorno. Portanto, a tradução é:
“Brilhas, ó Brasil, enfeite da América”.

É evidente que Osório Duque Estrada se valeu de um forte preciosismo sintático – ou “pernosticismo lexical”, para alguns estudiosos menos tolerantes – na elaboração do hino, tornando-o incompreensível para a imensa maioria da população. Todavia, o rigor vernacular do hino não pode ser considerado um obstáculo insuperável, pois não se trata de problema propriamente do hino, mas da falta de cultura que atinge o país que o entoa. Que se corrija a falta de informação que se espalha pela nação, e cantemos o hino com “conhecimento de causa”! Isso, sim, é patrioticamente necessário.
A mãe se aproximou da jovem ouvinte, cumprimentando Doutor Vernáculo.

– Olá, mestre, minha filha estava curiosa por algumas expressões do hino nacional...
O mestre interveio:

– Ah... sim! Estamos em uma agradável conversa sobre o hino...

– Aliás, Doutor Vernáculo, nosso hino é muito complicado! Precisa de “bula” pra entender! Não seria “patriotada”? Por que não adotamos a música “Aquarela do Brasil” como hino? Seria menos pomposo...
Doutor Vernáculo, que já esclarecera a prodigiosa filha, começaria agora a convencer a mãe – uma cidadã, entre tantas e tantos, que se opunha, injustificadamente, a nosso hino:

– Não devemos temer o hino, mas cantá-lo com fervor, pois se traduz em símbolo máximo da nação. Cantar o hino não é “patriotada”, mas ato de preservar nosso patrimônio cívico e histórico, indicando a soberania do nosso povo. O hino é a expressão de identidade, independentemente da condição social, raça, ou crença; por meio dele, os cidadãos se identificam como brasileiros. Quanto aos termos difíceis – observou Doutor Vernáculo – não precisamos de “bula”. É dever de todo cidadão preocupado com a linguagem a consulta a um bom dicionário... Aliás – complementou o mestre, com presença de espírito – Ary Barroso, ao escrever e musicar a imortal “Aquarela do Brasil”, em 1939, não lhe quis imprimir a feição de hino de um país, mas de música, apenas.

A mãe, agora convencida, ratificou:

– De fato, mestre, hino nacional é símbolo; música é sentido. Nossa MPB, aliás, está repleta de letras bem escritas... com sentidos variados.
E Doutor Vernáculo arrematou:

– A propósito, esteja preparada, pois não se livrará do dicionário para entender a bela canção citada: o inesquecível sambista utilizou expressões, como “Brasil trigueiro”, “mulato inzoneiro”, “merencória luz” e “morena sestrosa”. Está disposta a enfrentar a canção sem dicionário? Duvido...
O trio já se preparava para as despedidas. A filha, satisfeita com o instrutivo diálogo, aproximou-se do mestre e o agradeceu com largo sorriso. A mãe, agora mais bem instruída, ainda tentava retificar a inicial informação equivocada:

– É... Doutor Vernáculo, não tem cabimento deixarmos de bajular nosso hino. O incrível é imaginar que já houve movimentos na imprensa pra modificá-lo...
A mãe certamente mencionava o curioso episódio ocorrido em 2002, na época da Copa do Mundo, em que um certo colunista de famosa revista propôs que se abolisse o hino nas partidas de futebol, uma vez que os jogadores poderiam ter o rendimento prejudicado com a erudição da canção.

Doutor Vernáculo finalizou, com ênfase:

– Não podemos deixar o comodismo vencer o desafio do aprendizado. Cultivamos em nosso país a mania do “substituísmo”, trocando termos difíceis por outros, mudando expressões, como se estivéssemos diante de uma linguagem “mandarinesca”. Daqui a pouco, no desejo de mudar tudo, mudaremos nossos símbolos nacionais, o nome do nosso país... já imaginaram? – indagou-lhes o mestre.
A filha, ouvindo atentamente o diálogo – aliás, por ela deflagrado – complementou com hilaridade, trazendo à tona o triste episódio político do mensalão:

– Vão acabar mudando o nome de Brasil para “Mensalil”...
Todos riram da jocosidade pontual da jovem, convictos da importância cívica, histórica e gramatical de nosso hino. Aliás, nos tempos atuais, não precisamos nos afastar do hino, mas dele nos aproximar. Quem sabe assim cultuamos nosso “Brasil Trigueiro” de Barroso, sob os “raios fúlgidos” de Osório Duque Estrada.

PROF. EDUARDO SABBAG

O Verbo Aprazer e a Senhorinha Aprazível

O Verbo Aprazer e a Senhorinha Aprazível
Mais uma vez, o vasto universo verbal de nosso léxico convida o leitor ao conhecimento de um verbo não pouco estranho: aprazer.
O detalhe intrigante: ouve-se por aí a forma “se isso lhe aprouver...”, entretanto poucos associariam o tempo em destaque ao verbo aprazer. Não raras vezes, Doutor Vernáculo foi chamado a responder à dúvida. Na última vez, estava em plena viagem de avião e algo interessante estava por acontecer.
É que o comandante da aeronave, ao dar um aviso aos passageiros embarcados, teria se valido da expressão ora analisada. Não demorou para se ouvirem sussurros de curiosos. Os passageiros perguntavam:
– “Ele disse ‘se isso lhe aprouver’? Aprouver...mas que verbo é esse?!”
O interessante é que a dúvida parecia ter afligido mais de um passageiro. Uns opinavam sem conhecer; outros preferiam não opinar; havia até quem demonstrava, nos rápidos comentários, um bom conhecimento de verbo, porém a conclusão era inadequada...
Tudo estava sendo observado, em silêncio, pelo discreto mestre – Doutor Vernáculo. Todavia, seu silêncio teve que ser rompido. Uma senhora sentada ao seu lado lhe lançou uma pergunta:
– Por favor, o que todos comentam? Parece que foi anunciado algo importante...
Doutor Vernáculo percebeu que a senhora não havia escutado a informação. Parecia estar dormindo quando foi dado o aviso pelo comandante. Não importava. Aproveitou para lhe deixar a par do anúncio e, quem sabe, orientá-la sobre o verbo, até porque não havia encontrado uma oportunidade de aclarar a dúvida de muitos que o rodeavam.
– Sim, disse o mestre. O recado foi simples, mas o piloto usou uma expressão diferente, e todos estão tentando decifrar o seu sentido.
– Ah...qual foi a expressão? – perguntou a simpática senhora.
O mestre respondeu, com certa preocupação didática, tendo certeza que não seria compreendido também pela senhorinha.
– A expressão é “se-lhe-a-prou-ver”, respondeu soletrando, pausadamente, o mestre.
Há um dito popular que anuncia que “as surpresas acontecem quando menos se espera”. Dito e feito. A senhorinha surpreendeu o mestre:
– O verbo é “aprazer”, disse sem hesitação.
Doutor Vernáculo não se conteve:
– Puxa, a senhora conhece bem o idioma! Poucas pessoas sabem isso...
Ela, então, pôs-se a explicar:
– É que sou professora de português...aposentada – retificou.
Doutor Vernáculo, com um largo sorriso, apresentou-se:
– Que bom! Sou advogado, mas vivo da lei e... da palavra! Gosto de estudar o nosso idioma!
Ambos se divertiram com a coincidência. O verbo, todavia, voltou à tona.
– Aprazer, disse a senhorinha, tem o sentido de “causar ou sentir prazer”, sendo mais usado nas terceiras pessoas (do singular e do plural). Portanto, pode-se falar apraz, aprazia, aprazerá, aprouve, aprouvera, aprouvesse.
O mestre concordou e complementou:
– De fato, vejo que a senhora está com as regras em dia! A propósito, a forma “aprouver” – completou o mestre – indica o futuro do subjuntivo do verbo aprazer, bastante comum como verbo transitivo indireto (como em “Todas as manhãs, o sol lhe apraz.”) ou intransitivo (como em “Poucos são os comentários que aprazem.”).
O diálogo havia começado em alto nível. Não é todo dia que um verbo provoca um debate tão elitizado assim...
A falante passageira continuou a tecer suas impressões:
– O detalhe é que, para o dicionarista Houaiss, o verbo aprazer é irregular, nos tempos derivados do pretérito perfeito, apresentando formas interessantes, como aprouve, aprouvera, aprouvesse, entre outras.
O mestre concordou e mostrou à culta colega de viagem uns versos que acabara de lembrar:
– Fernando Pessoa usou este verbo em verso de “Deixemos Lídia”: “Não de outro modo mais divino ou menos / Deve aprazer-nos conduzir a vida, / Quer sob o ouro de Apolo / Ou a prata de Diana” .
Ela, aprovando a versatilidade do mestre, devolveu-lhe outra pérola de nossa mais refinada poesia. Citou “Para viver um grande Amor”, de Vinicius de Moraes. Disse, sem hesitar:
– Há também o verbo em Vinicius: “...É muito necessário ter em vista / um crédito de rosas na florista / muito mais, muito mais que na modista! / para aprazer ao grande amor...”
E o diálogo parecia ter ganhado importante significado. Era lá e cá...Um papo de “gente grande”, diriam alguns...
O tal verbo estava animando o voo, pelo menos, dos dois cultores do idioma, que mantinham elevado o estimulante debate. O mestre prosseguiu:
– Este verbo pode servir até para ajudar a conjugação de outros, como desprazer, no sentido de “desagradar”. Este deve ser conjugado como aprazer. Exemplo: O contrato não lhe desprouve, mas agradou a ele.
Ela o ouvia, atentamente, e pôde notar que o advogado não detinha uma simples curiosidade do vernáculo, mas um grande conhecimento. Elogiou-o:
– De fato, o senhor como advogado demonstra dominar bem a gramática. Se todos os advogados assim a conhecessem... Aliás, complementando o que disse, há outro verbo que pode ter a conjugação facilitada a partir do aprazer...
O mestre esperou que falasse, mas ambos responderam quase simultaneamente: Prazer!!! De fato, este verbo é sinônimo de aprazer... A senhorinha ficou empolgada e se apressou a lhe apresentar:
– O verbo prazer é sinônimo de aprazer, devendo ser usado apenas na 3ª pessoa do singular. É, igualmente, irregular. Há formas curiosas, como: praz, prazia, prouve, prouvera, prazerá, prazeria, praza, entre outras. Exemplo: “Prouvera a Deus.”, no sentido de “queira Deus, tomara, oxalá”.
Não demorou para a aeronave tocar o solo. Era a aterrissagem. Antes que se despedissem, Doutor Vernáculo fez questão de valorizar o agradável diálogo que com ela foi estabelecido.
– Meus parabéns! – disse. Com sua aposentadoria, muitos alunos deixaram de ganhar grande conhecimento. A senhora tem enorme conhecimento!
Ela, do alto de sua inteligência, percebendo a surpresa do mestre com sua sabedoria, não perdeu a chance de o surpreender mais um pouco. Parafraseando um importante escritor francês do século XVII – La Rochefoucaud –, respondeu-lhe: “É prova de inteligência saber ocultar a nossa inteligência”.
Após a despedida, o mestre pensou alto:
– Puxa! Que senhorinha aprazível!

EDUARDO DE MORAES SABBAG

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A placa indicava:" Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo escontra-se parado no andar."
- Pergunta-se: "o mesmo" está aí dentro?


*EDUARDO DE MORAES SABBAG

O saguão estava cheio. Muitos esperavam o elevador chegar. Doutor Vernáculo também o aguardava. Alguém já havia apertado o botão de chamada da máquina e, enquanto a porta não se abria, anunciando a sua chegada, os usuários mantinham-se em silêncio. Uns olhavam para a janela, na parede lateral; outros mexiam na pasta, procurando algo. Havia aquele que acompanhava a trajetória do elevador, atentando-se fixamente para o marcador luminoso na parede, acima da porta de entrada, talvez desejando que o cubículo chegasse mais rápido.
Doutor Vernáculo, por outro lado, estava concentrado em uma plaquinha, localizada ao lado da porta de entrada do elevador. Ela trazia os seguintes dizeres:


“Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado no andar.”



A frase parecia ter roubado toda a atenção do mestre. Algo o mantinha compenetrado naquela recomendação.

Como se sabe, o pedido na placa não é nada “de outro mundo”. Apenas sinaliza ao usuário que preste atenção à porta do elevador, certificando-se, no momento adequado, que o acesso ao interior do compartimento estará livre. Tudo para evitar acidentes indesejados.
O que poderia atrair tanto a atenção do mestre? A resposta não demorou, vindo assim que se deu a chegada do elevador ao saguão. Todos se aproximaram para entrar, e Doutor Vernáculo se pôs logo atrás, na fila.
Notando que a ascensorista era conhecida, preparou a piada. Na sua vez de dar um passo adiante, entrando no compartimento, o mestre parou e, com um ar assustado – forçado, é claro –, perguntou à ascensorista, Da. Anáfora, amiga de longa data:

– Por favor, ‘o mesmo’ está aí dentro? Estou com medo do “mesmo”...

Da. Anáfora sorriu, logo identificando que se tratava de uma piada do mestre. E respondeu com bom humor:
– Não, Doutor Vernáculo, pode entrar! O “mesmo” não está aqui! Entre, sem medo!
Tudo não passava de uma brincadeira... Uma brincadeira séria, no entanto. Visava criticar a redação da placa afixada na porta dos elevadores, na cidade de São Paulo, por força da Lei nº 9.502/97. Da. Anáfora não havia sorrido à toa. Já conhecia a inadequação da placa. Em outra oportunidade, pôde ouvir o mestre acerca do vício contido na redação da exortação.
Como se sabe, tais plaquinhas estão espalhadas por todo lado. Onde há elevador, há a recomendação – gramaticalmente inadequada – estampada bem diante dos olhos daquele que espera a sua vez, na rápida viagem de elevador. Mas o que, de fato, apresenta-se falho na recomendação?
Há poucos dias, Doutor Vernáculo foi consultado por um veículo de comunicação que desejava saber, por escrito, o motivo da imperfeição em tal placa. O mestre respondeu à consulta. Acompanhemos a didática explicação:


“Hoje em dia, tem sido recorrente a utilização equivocada do pronome “mesmo”. Ouve-se com freqüência o vocábulo no lugar do nome de uma pessoa (ou coisa) ou substituindo um pronome pessoal. Tal prática virou moda, e a “praga” parece ter espalhado, aparecendo com as repetidas expressões “o mesmo” e “a mesma”. Trata-se de modismo que empobrece o texto e fragiliza o discurso. Em bom português, não se deve dizer:


Conversei com o professor, e o mesmo me confirmou o ocorrido.


No intuito de evitar a expressão, há boas soluções:


1ª. Elimine a forma:
“Conversei com o professor, e me confirmou o ocorrido.”



2ª. Substitua o pronome por palavra equivalente:
“Conversei com o professor, e o mestre me confirmou o ocorrido.”



3ª. Substitua o pronome por outro pronome equivalente:
“Conversei com o professor, e ele / o qual me confirmou o ocorrido."



Deve-se registrar, todavia, que as expressões “o mesmo” ou “a mesma” podem ser toleradas, nos casos abaixo discriminados:



1. Quando seguidas de substantivo:
“O professor ensinou a mesma regra."


2. Como forma masculina invariável, no sentido de “a mesma coisa”:
“O professor ensinou a regra; esperamos que os demais façam o mesmo."
“Disse a ela o mesmo que disse ao irmão.”
“Acatar não é o mesmo que acolher.”


Não perca de vista, ademais, que a palavra “mesmo” pertence a diversas categorias gramaticais, sendo empregada, corretamente, conforme se nota abaixo:


a) Como adjetivo, na acepção de “exato, idêntico, próprio”:
– Foi sempre pelo mesmo caminho.
– Eles mesmos retornaram à escola.
– Eles feriram a si mesmos (= a si próprios).
– Os professores mesmos foram à festa.

b) Como advérbio, na acepção de “justamente, até, ainda, de fato”:
– É lá mesmo que comprei o carro.
– Esta moto é mesmo veloz?
– Há mesmo necessidade disso?


É perceptível, conforme se nota nesses exemplos, que o vocábulo “mesmo” está bem empregado, ao acompanhar substantivo, adjetivo ou pronome. Entretanto, não os substitui. Em nenhum caso de boa redação, permitir-se-á tal substituição, embora saibamos que muitos estudiosos da língua portuguesa, mais liberais em seus ensinamentos, aceitem o uso do “mesmo” como pronome substantivo, isto é, substituindo um termo anterior.
Entretanto, entendemos que se deve evitar seu uso. Ainda que não seja “erro”, caracteriza pobreza de estilo. Muitas vezes usa-se a palavra "mesmo" porque falta vocabulário ou porque não se sabe usar outros pronomes.
Dessa forma, pode o usuário dos elevadores, na cidade de São Paulo, munido de certa dose de gracejo, perguntar, sim, à ascensorista, antes de entrar no cubículo:
Por acaso, o “mesmo” está aí?

Com efeito, a brincadeira só comprova que o uso de “mesmo” como pronome prejudica a clareza e a elegância da frase. Além disso, a equipe de redatores municipais demonstrou desconhecer as regras de colocação pronominal. É que há vício na forma “se o mesmo encontra-se”. Nesse caso, impõe-se a próclise, isto é, a antecipação do pronome. Procedendo à colocação pronominal adequada:
“Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo se encontra parado no andar.”
Resta, agora, finalizar a frase, com a clareza recomendada.
Observe as sugestões de correção:

1ª. Substitua a forma pelo pronome pessoal:
“Antes de entrar no elevador, verifique se ele se encontra parado no andar.”


2ª. Faça a inversão e elimine o pronome:
“Antes de entrar, verifique se o elevador está parado no andar.”


3ª. Utilize forma mais concisa:

"Não entre sem ver se o elevador está no lugar".
Assim, insistimos na necessidade do estilo adequado, ao lado do pensamento preciso. Aristóteles já nos ensinava que ‘a primeira qualidade do estilo é a clareza’.”

*EDUARDO DE MORAES SABBAG:

Advogado; Doutorando em Direito Tributário, na PUC/SP; Doutorando em Língua Portuguesa, na PUC/SP; Mestre em Direito Público e Evolução Social, pela UNESA/RJ; Professor de Direito Tributário e de Língua Portuguesa, na Rede de Ensino LFG/ANHANGUERA; Coordenador e Professor do Curso de Pós-graduação, em Direito Tributário, na Rede de Ensino LFG/ANHANGUERA. Autor do Manual de Direito Tributário, 3ª edição, pela Editora Saraiva; Elementos de Direito Tributário, 12ª edição, pela Editora RT; Redação Forense e Elementos da Gramática, 4ª edição, pela Editora RT; e diversas outras obras. Visite a página www.professorsabbag.com.br.