quarta-feira, 4 de maio de 2011

A placa indicava:" Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo escontra-se parado no andar."
- Pergunta-se: "o mesmo" está aí dentro?


*EDUARDO DE MORAES SABBAG

O saguão estava cheio. Muitos esperavam o elevador chegar. Doutor Vernáculo também o aguardava. Alguém já havia apertado o botão de chamada da máquina e, enquanto a porta não se abria, anunciando a sua chegada, os usuários mantinham-se em silêncio. Uns olhavam para a janela, na parede lateral; outros mexiam na pasta, procurando algo. Havia aquele que acompanhava a trajetória do elevador, atentando-se fixamente para o marcador luminoso na parede, acima da porta de entrada, talvez desejando que o cubículo chegasse mais rápido.
Doutor Vernáculo, por outro lado, estava concentrado em uma plaquinha, localizada ao lado da porta de entrada do elevador. Ela trazia os seguintes dizeres:


“Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado no andar.”



A frase parecia ter roubado toda a atenção do mestre. Algo o mantinha compenetrado naquela recomendação.

Como se sabe, o pedido na placa não é nada “de outro mundo”. Apenas sinaliza ao usuário que preste atenção à porta do elevador, certificando-se, no momento adequado, que o acesso ao interior do compartimento estará livre. Tudo para evitar acidentes indesejados.
O que poderia atrair tanto a atenção do mestre? A resposta não demorou, vindo assim que se deu a chegada do elevador ao saguão. Todos se aproximaram para entrar, e Doutor Vernáculo se pôs logo atrás, na fila.
Notando que a ascensorista era conhecida, preparou a piada. Na sua vez de dar um passo adiante, entrando no compartimento, o mestre parou e, com um ar assustado – forçado, é claro –, perguntou à ascensorista, Da. Anáfora, amiga de longa data:

– Por favor, ‘o mesmo’ está aí dentro? Estou com medo do “mesmo”...

Da. Anáfora sorriu, logo identificando que se tratava de uma piada do mestre. E respondeu com bom humor:
– Não, Doutor Vernáculo, pode entrar! O “mesmo” não está aqui! Entre, sem medo!
Tudo não passava de uma brincadeira... Uma brincadeira séria, no entanto. Visava criticar a redação da placa afixada na porta dos elevadores, na cidade de São Paulo, por força da Lei nº 9.502/97. Da. Anáfora não havia sorrido à toa. Já conhecia a inadequação da placa. Em outra oportunidade, pôde ouvir o mestre acerca do vício contido na redação da exortação.
Como se sabe, tais plaquinhas estão espalhadas por todo lado. Onde há elevador, há a recomendação – gramaticalmente inadequada – estampada bem diante dos olhos daquele que espera a sua vez, na rápida viagem de elevador. Mas o que, de fato, apresenta-se falho na recomendação?
Há poucos dias, Doutor Vernáculo foi consultado por um veículo de comunicação que desejava saber, por escrito, o motivo da imperfeição em tal placa. O mestre respondeu à consulta. Acompanhemos a didática explicação:


“Hoje em dia, tem sido recorrente a utilização equivocada do pronome “mesmo”. Ouve-se com freqüência o vocábulo no lugar do nome de uma pessoa (ou coisa) ou substituindo um pronome pessoal. Tal prática virou moda, e a “praga” parece ter espalhado, aparecendo com as repetidas expressões “o mesmo” e “a mesma”. Trata-se de modismo que empobrece o texto e fragiliza o discurso. Em bom português, não se deve dizer:


Conversei com o professor, e o mesmo me confirmou o ocorrido.


No intuito de evitar a expressão, há boas soluções:


1ª. Elimine a forma:
“Conversei com o professor, e me confirmou o ocorrido.”



2ª. Substitua o pronome por palavra equivalente:
“Conversei com o professor, e o mestre me confirmou o ocorrido.”



3ª. Substitua o pronome por outro pronome equivalente:
“Conversei com o professor, e ele / o qual me confirmou o ocorrido."



Deve-se registrar, todavia, que as expressões “o mesmo” ou “a mesma” podem ser toleradas, nos casos abaixo discriminados:



1. Quando seguidas de substantivo:
“O professor ensinou a mesma regra."


2. Como forma masculina invariável, no sentido de “a mesma coisa”:
“O professor ensinou a regra; esperamos que os demais façam o mesmo."
“Disse a ela o mesmo que disse ao irmão.”
“Acatar não é o mesmo que acolher.”


Não perca de vista, ademais, que a palavra “mesmo” pertence a diversas categorias gramaticais, sendo empregada, corretamente, conforme se nota abaixo:


a) Como adjetivo, na acepção de “exato, idêntico, próprio”:
– Foi sempre pelo mesmo caminho.
– Eles mesmos retornaram à escola.
– Eles feriram a si mesmos (= a si próprios).
– Os professores mesmos foram à festa.

b) Como advérbio, na acepção de “justamente, até, ainda, de fato”:
– É lá mesmo que comprei o carro.
– Esta moto é mesmo veloz?
– Há mesmo necessidade disso?


É perceptível, conforme se nota nesses exemplos, que o vocábulo “mesmo” está bem empregado, ao acompanhar substantivo, adjetivo ou pronome. Entretanto, não os substitui. Em nenhum caso de boa redação, permitir-se-á tal substituição, embora saibamos que muitos estudiosos da língua portuguesa, mais liberais em seus ensinamentos, aceitem o uso do “mesmo” como pronome substantivo, isto é, substituindo um termo anterior.
Entretanto, entendemos que se deve evitar seu uso. Ainda que não seja “erro”, caracteriza pobreza de estilo. Muitas vezes usa-se a palavra "mesmo" porque falta vocabulário ou porque não se sabe usar outros pronomes.
Dessa forma, pode o usuário dos elevadores, na cidade de São Paulo, munido de certa dose de gracejo, perguntar, sim, à ascensorista, antes de entrar no cubículo:
Por acaso, o “mesmo” está aí?

Com efeito, a brincadeira só comprova que o uso de “mesmo” como pronome prejudica a clareza e a elegância da frase. Além disso, a equipe de redatores municipais demonstrou desconhecer as regras de colocação pronominal. É que há vício na forma “se o mesmo encontra-se”. Nesse caso, impõe-se a próclise, isto é, a antecipação do pronome. Procedendo à colocação pronominal adequada:
“Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo se encontra parado no andar.”
Resta, agora, finalizar a frase, com a clareza recomendada.
Observe as sugestões de correção:

1ª. Substitua a forma pelo pronome pessoal:
“Antes de entrar no elevador, verifique se ele se encontra parado no andar.”


2ª. Faça a inversão e elimine o pronome:
“Antes de entrar, verifique se o elevador está parado no andar.”


3ª. Utilize forma mais concisa:

"Não entre sem ver se o elevador está no lugar".
Assim, insistimos na necessidade do estilo adequado, ao lado do pensamento preciso. Aristóteles já nos ensinava que ‘a primeira qualidade do estilo é a clareza’.”

*EDUARDO DE MORAES SABBAG:

Advogado; Doutorando em Direito Tributário, na PUC/SP; Doutorando em Língua Portuguesa, na PUC/SP; Mestre em Direito Público e Evolução Social, pela UNESA/RJ; Professor de Direito Tributário e de Língua Portuguesa, na Rede de Ensino LFG/ANHANGUERA; Coordenador e Professor do Curso de Pós-graduação, em Direito Tributário, na Rede de Ensino LFG/ANHANGUERA. Autor do Manual de Direito Tributário, 3ª edição, pela Editora Saraiva; Elementos de Direito Tributário, 12ª edição, pela Editora RT; Redação Forense e Elementos da Gramática, 4ª edição, pela Editora RT; e diversas outras obras. Visite a página www.professorsabbag.com.br.

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